Por que uma ONG do ABC paulista foi escolhida para atuar na Amazônia?
O governo federal firmou um contrato de R$ 15,8 milhões com a ONG Unisol Brasil, com sede em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, para executar ações de retirada de lixo e educação ambiental na Terra Indígena Yanomami, localizada no extremo norte de Roraima.
A decisão levanta um questionamento inevitável: por que uma organização situada tão longe da realidade amazônica foi a escolhida para lidar com uma crise ambiental e sanitária tão específica e local?
Distância geográfica contrasta com complexidade do território yanomami
A Terra Yanomami é uma das mais remotas e sensíveis do país, de difícil acesso, e com uma série de especificidades culturais, ambientais e logísticas. Enfrentar o acúmulo de 70 toneladas de resíduos exige conhecimento do território, articulação com lideranças indígenas e infraestrutura local.
A Unisol, por outro lado, funciona numa modesta sala de 40 m² no subsolo do prédio do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Paulo. Não possui sede na região Norte, tampouco histórico conhecido de atuação em áreas indígenas ou em territórios amazônicos.
Vínculos políticos e falta de transparência reforçam suspeitas
A escolha da Unisol não é isolada de um contexto político. A ONG tem fortes ligações com o Partido dos Trabalhadores (PT). Seu presidente, Arildo Mota Lopes, é ex-diretor do sindicato que abriga a ONG e filiado ao partido. O sindicato, por sua vez, foi presidido por Lula nos anos 1970 e mantém relação histórica com o petismo.
A verba foi liberada em parcela única — algo incomum em convênios desse porte — apenas três dias após a assinatura do contrato, no fim de dezembro de 2024. Curiosamente, as atividades ainda não começaram. Desde então, segundo o governo, a Unisol realizou apenas “reuniões de planejamento” e “estudos técnicos”.
Outras ONGs foram desclassificadas — e o motivo não ficou claro
O edital do Ministério do Trabalho atraiu dez ONGs. Cinco foram desclassificadas por não apresentarem plano de trabalho. As demais, por critérios técnicos não especificados. Apenas duas foram aprovadas: a Unisol, de São Paulo, e o Centro de Estudos e Assessoria (CEA), de Brasília, também com histórico petista.
A Unisol recebeu a totalidade dos recursos — R$ 15,8 milhões. Já o CEA recebeu 40% do montante que lhe foi destinado.
A dúvida que persiste: não havia entidades locais capacitadas?
Roraima possui dezenas de organizações não governamentais, associações indígenas e cooperativas locais com atuação consolidada em causas socioambientais. Algumas com experiência direta em logística, reciclagem, saúde indígena e acesso às áreas mais remotas da Terra Yanomami.
Por que essas entidades foram preteridas?
Essa é a pergunta que autoridades públicas, órgãos de controle e a sociedade civil começam a ecoar.
A resposta oficial não convence — e reforça a necessidade de transparência
O governo justifica o contrato com base na urgência da crise e no caráter emergencial da ação. Afirma que o processo respeitou os preceitos legais e que a liberação antecipada se deu por força de uma medida provisória.
Mas até agora não esclareceu por que entidades locais não foram consideradas, nem por que liberou 100% da verba antes de qualquer execução.
Conclusão: o critério foi competência técnica ou conveniência política?
A nomeação de uma ONG sem histórico na região, distante geograficamente, politicamente alinhada ao governo e beneficiada com repasse total antecipado, alimenta suspeitas de favorecimento e de falta de critérios técnicos na escolha.
A crise humanitária dos yanomamis exige respostas urgentes, sim. Mas também exige responsabilidade, transparência e respeito à complexidade local. Do contrário, a ajuda corre o risco de se transformar em mais um capítulo de aparelhamento político disfarçado de solidariedade.
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